AS PERIPÉCIAS DA FAMÍLIA DE JOHANN PETER SCHMITZ

AS PERIPÉCIAS DA FAMÍLIA DE JOHANN PETER SCHMITZ

Anildo Schmitz


Durante o período colonial e imperial brasileiro, especificamente no 2º império, houve um grande incentivo, por parte do governo brasileiro, à colonização dos territórios até então desocupados. Inicialmente, sem qualquer ônus aos imigrantes, grandes levas de europeus atravessaram o Atlântico com destino ao Brasil. Como a propaganda é sempre a alma do negócio, esta na Alemanha, como em toda a Europa, era maravilhosa. Terra em abundância e de graça em detrimento da escassez devido ao aumento populacional; auxílio financeiro para os imigrantes se manterem até as primeiras colheitas (muitos dos que se aventuraram passavam necessidades na pátria mãe); ou seja, clima ótimo, garantia de trabalho, assistência e lugar para morar... Fartura a vista. Os que pouco ou nada tinham visualizaram uma oportunidade de progredir e principalmente de dar vida descente aos seus. Mesmo que para isto tivessem que partir para uma terra estranha.

O início do processo de colonização do Brasil, com destaque para a região sul, foi uma decisão política promovida por Dom João VI. Após a tentativa de Pombal com os portugueses (açorianos), o governo incentivou a colonização estrangeira para, entre outras coisas, promover a dilatação do vasto Reino, ocupar vazios demográficos (objetivo estratégico), produzir alimentos (fins econômicos), mas, basicamente, para instituir uma classe de pequenos proprietários rurais, até então praticamente inexistente no Brasil. (...) baseado na pequena propriedade familiar, a imigração alemã esteve estreitamente vinculada ao sistema de colonização brasileiro, cuja política pautou-se na existência de conflitos nas fronteiras internacionais devido às grandes áreas de terras devolutas consideradas desabitadas apesar da existência de grupos indígenas e posseiros. (JOCHEM, 2009)

O ponto de partida para a emigração alemã ao Brasil se deu em 1824, ano de fundação da primeira colônia de imigrantes alemães, no país, em São Leopoldo, no Vale dos Sinos, Rio Grande do Sul. Nesta época a província de Santa Catarina contava com três vilas (Nossa Senhora das Lages, Laguna e São Francisco) e uma cidade (Nossa Senhora do Desterro), a Capital. A única ligação da capital com a Vila de Lages era um simples caminho de cargueiros por entre a mata virgem.

Para ocupar as terras até então desocupadas-1 o governo decidiu criar colônias ao longo do caminho-2 . Foi assim que em 1829, ainda sob o governo do Imperador D. Pedro I, foi fundada a colônia de São Pedro de Alcântara, primeira colônia de imigração alemã em Santa Catarina. Os alemães destinados a esta colônia chegaram a Desterro, respectivamente, em 07 e 12 de novembro de 1828, a bordo do Brigue “Luiza” e do Bergantim “Marquês de Viana”. Quando da fundação oficial da colônia, em 1829, estes já se achavam precariamente alojados em instalações militares na Ilha de Santa Catarina, e aguardavam a ordem de partir para as terras a eles destinadas. Mas as autorizações para finalmente tomarem posse das terras a eles destinadas só chegam em meados de 1829 para alguns, enquanto outros continuaram em alojamentos precários por mais tempo.

Esta eufórica onda imigratória para o Brasil, que percorria toda a Europa, chegou ao pequeno lugarejo de Löeffelscheid, na região do Hunsrück, na Prússia, atual Peterswald-Löffelscheid, atual Renania Palatina. Após ouvir, através dos agenciadores, as promessas do governo brasileiro, até mesmo quem era radicalmente contra o movimento aderiu à grande lista dos que se aventuraram na busca de um novo mundo e de um futuro mais promissor. A imigração em massa para o Brasil não era vista com bons olhos por muita gente que se mostrava contrária a prática, mas as promessas feitas pelas pelos agenciadores juntamente com as dificuldades enfrentadas, pelos possíveis emigrantes na terra natal, levaram muitos a mudar de opinião a respeito do Brasil. Não era uma simples aventura, mas sim uma questão de sobrevivência e uma fuga da precariedade que se encontravam. A maioria destes “aventureiros” nem mesmo possuía um pedaço de terras para plantar e garantir a sobrevivência da família e repentinamente viam a oportunidade de possuir um terreno grande o bastante para todos. Além do mais, quem poderia resistir a tentação de dar à seus filhos, a segurança de progredir numa terra, distante, é verdade, mas onde era possível produzir batas “do tamanho da cabeça de uma pessoa, e café dava em árvores”. Ou seja, fartura a vista.

O jovem Mathias Schmitz relata sua aversão à emigração e da falsa idéia de que muitos tinham de um Brasil selvagem e repleto de perigos para qualquer ser civilizado.


Já como escolar e mais ainda como adolescente, eu tinha uma aversão enorme pela emigração e principalmente para o Brasil. Somente ao ouvir o nome já sentia arrepios, porque imaginava a terra bem diferente do que mais tarde conheci.
Eu imaginava uma terra totalmente selvagem, onde seus moradores eram seres humanos só na denominação e que mais se pareciam com animais. Uma terra na qual, atrás de cada arbusto corria-se o risco de ser mordido por uma cobra ou outro animal selvagem. (SCHMITZ-3 1867)

Mesmo assim, superando todos os seus medos e sentindo que não mais havia perspectiva de futuro na terra natal, os atrativos da propaganda brasileira e a perspectiva de ser algo mais que um simples auxiliar de professor, falou mais alto e até mesmo o jovem Mathias mudou de opinião, conforme relata:

... mesmo com todos estes perigos em mente, seja como Deus quiser! Aqui na Alemanha não há futuro para mim. Eu resolvi acompanhar, aos 20 anos, meus pais e mais outros emigrantes para o Brasil.
Onze famílias, entre as quais estavam filhos e filhas já adultos. Partiram certo dia, cantando alegremente, do pequeno lugarejo de Loeffeischeidt no Hunsrück, para um novo lar. Muitos dos emigrantes derramaram lágrimas amargas ao se despedirem de parentes e amigos, pois era um adeus para sempre. Depois que paramos por alguns minutos numa elevação, até onde quase todos os moradores do lugar nos acompanhavam, eu também com olhos marejados de lágrimas, olhei pela última vez o lugar onde nasci. Por pouco não desistia da viagem, se meus amigos que também partiram não me tivessem encorajado, afirmando sempre que só no Brasil encontraria a felicidade. Logo me senti mais confiante e assobiando alegremente, subi nas caixas e cofres que estavam amontoados numa carroça e lá seguimos pela estrada até o Reno. (...) o Brasil era lembrado como paraíso na terra. As pessoas recebiam boa terra e uma bonita casa, tudo livre de qualquer despesa. Não era de admirar, portanto que tantas pessoas se punham a caminho do Brasil. Na maioria eram pessoas que na Pátria nada mais tinham a perder e que mal conseguiam reunir o dinheiro para chegar à cidade portuária da França. Mas muitos pensavam: "você conseguirá levar os seus, mesmo que tenhas que passar fome e sede, serás recompensado pelo governo; ele prometeu e deverá cumprir a promessa" [Não imaginavam o que lhes esperava no Brasil. O sonho logo viraria pesadelo e isto já no início da viagem]. (SCHMITZ 1867)

O grupo de 11 famílias da pequena Loeffeischeid onde todos, se não eram parentes, eram pelo menos amigos, confiantes, desfizeram-se do quase nada que possuíam, reuniram o pouco dinheiro que conseguiram arrecadar, pagaram o que os agentes de Charles Delrue exigiam, amontoaram seus poucos pertences em carros e carroças para no dia 08 de outubro de 1846 partirem alegremente em busca de um sonho. A população os acompanhou por algumas centenas de metros para então lhes dar um último adeus. Despediram-se de quem ficava no solo natal tristes pela separação, mas ao mesmo tempo sentiam o coração transbordar de alegria pela expectativa de uma vida melhor no além-mar. Deixaram para trás familiares e amigos e partiram rumo ao desconhecido. E foi realmente o último adeus, pois a maioria jamais teve oportunidade de um reencontro. Em muitos casos, a partida significou rompimento completo com os familiares e amigos, pois jamais tiveram notícias uns dos outros. Outros conseguiram manter vivos os laços de familiaridade e amizade reforçados periodicamente por cartas, através das quais informavam-se mutuamente e relatavam as novidades da velha e da nova pátria.

Viajaram de carroças, rumo ao Rio Reno, até uma pequena cidade, segundo Mathias Schmitz, de nome “B”, onde pernoitaram. Na manhã seguinte, suas bagagens foram levadas até um vapor. Este os transportou até a cidade de Koeln (Colônia). Só em 10 de outubro de 1846, seguiram de trem para Ostende, na Bélgica. Ali permaneceram por alguns dias resolvendo imprevistos, até que finalmente seguiram para Dunquerque, na França. Ali deveriam esperar o Veleiro que os transportaria até o Brasil.

Entre as 11 famílias que partiram cheios de sonhos e esperanças, estava o agricultor Johann Peter Schmitz, sua esposa Ana Maria Meurer, juntamente com o filho mais velho, Mathias Schmitz (20 anos, auxiliar de professor) e os gêmeos Johann Peter Schmitz e Peter Schmitz (16 anos) e mais alguns familiares. Os Schmitz, assim como os demais parceiros de aventura, levavam na bagagem tudo o que lhes restava, ou seja, alguns poucos pertences, a obstinação de conquistar dias melhores e o sonho de finalmente alcançar a felicidade mesmo que esta tivesse que ser buscada em uma terra desconhecida. Estavam também as famílias de Johann Loffy com 4 filhos, Peter Roth, mulher e dois filhos, Johann Backes com esposa e 9 filhos, Daniel Grosskloss, Heinrich Fritzen com esposa e 3 filhos, Franz Steffens, família Hinkel. Nos primeiros dias de viagem entre Loeffeischeidt e o porto da cidade de Dunquerque, na França, tudo era motivo de alegria. Mas não tardaram as dificuldades.


No ano anterior, 1845, antes de emigrarmos, foi fundada no Brasil uma nova cidade de nome Petrópolis (residência de verão do imperador) e que diziam fora colonizada quase exclusivamente por alemães. Por este motivo o governo brasileiro fez um contrato com um certo armador de nome D-4 , da cidade portuária de Dunquerque, na França, e que por conta do governo brasileiro levaria certo número de emigrantes até a cidade do Rio de Janeiro, para colonizar Petrópolis. Para reunir estes emigrantes, o citado senhor D. contratou vários agentes que angariavam pessoas interessadas em vir ao Brasil. Verdade é que o número de emigrantes aquele ano foi tão grande que ultrapassou o número estipulado. Apesar de o governo brasileiro correr com todas as despesas dos emigrantes, estes ainda eram enganados e explorados pelos agentes. Tinham muitas vezes que entregar até a última moeda que possuíam. (SCHMITZ 1867)

Mas o que os agentes de Delrue anunciavam não era bem a verdade. Tão logo a viagem começou, surgiram os problemas. Como é nos momentos difíceis que despontam os grandes líderes, foi com o início dos problemas que o jovem Mathias começou a se destacar, a princípio timidamente, até que no auge da crise o jovem transformou-se em um guerreiro em busca do melhor para seu grupo e líder incansável.

Assim que chegaram a Dunquerque, Delrue exigia o pagamento integral da passagem para o Brasil. Os emigrantes argumentavam que as despesas eram por conta do governo brasileiro, mas a resposta era sempre a mesma “Ele nada tinha com o governo e que cada um cuidasse de si mesmo”. Aí então tiveram a certeza de terem sido enganados. Os que possuíam algum dinheiro cederam às exigências de Delrue, enquanto os outros teriam que arcar com a amarga sorte de não poder seguir para o Brasil e ao mesmo tempo não poder retornar para suas casas uma vez que não tinham mais para onde voltar. Segundo Mathias, dia após dia, a cidade cada vez mais ficava cheia de miseráveis que não tinham mais para onde ir, nem como sobreviver. Estes acabavam mendigando o pão pelas ruas de Dunquerque. Para piorar a situação dos desafortunados que acreditaram nas promessas feitas, em nome do Governo Imperial Brasileiro, pelos agentes de Delrue, o Governo Francês, na tentativa de impedir maiores problemas com o excesso de pessoas sem destino, baixou um decreto impedindo a entrada, em seu território, de todo e qualquer imigrante pobre e sem passaporte. Exigiu mais. Exigia que cada imigrante tivesse destino certo e a garantia de que, no momento oportuno, todos seriam enviados para o local de destino.


A maioria, no entanto tinha que aceitar o destino. Não podiam seguir para o Brasil, e o que era pior, também não podiam voltar. Quem encontrava trabalho na cidade ficava e muitos foram mendigar. (...) a cidade sofreu uma enchente de alemães, que por força maior tiveram que pedir seu pão na porta de moradores. A miséria tornou-se por fim tão grande que o governo francês expediu vários navios com estes alemães logrados para a África, só para livrar a cidade do excesso de pessoas. Por fim nenhum emigrante podia mais passar a fronteira da França sem apresentar antes um certificado de armador D., no qual constava que o frete da bagagem estava pago e D. se comprometia oferecer hospedagem e comida ao referido emigrante, e quando se apresentasse oportunidade, enviaria o mesmo ao Brasil. (SCHMITZ 1867)

Justamente quando estes fatos se agravaram, Johann Peter Schmitz e os seus estavam prontos para viajar de Ostende para Dunquerque. Ali receberam a notícia de que não poderiam atravessar a fronteira sem o certificado de Delrue. O grupo teve melhor sorte que os demais. Quis o destino que o agente de Delrue, sob a tutela do qual empreenderam a viagem, estivesse entre o grupo. Mathias, talvez por ser o mais instruído do grupo, que já vinha se destacando, mostrou seu poder de liderança, e casualmente (ou propositalmente) estava de posse de documentos comprometedores, cujo teor poderiam levar o agente à prisão. Então, numa espécie de chantagem, provocou a intervenção deste junto ao armador, conforme relata:


Por felicidade estava conosco o agente-5 do armador D., por ordem do qual nós empreendemos a viagem. Este se vira obrigado a nos acompanhar, porque eu estava de posse de algumas cartas do agente e se as mesmas caíssem em mãos da polícia, ele seria preso e invariavelmente condenado por fraude. Somente o medo levou-o a interceder junto ao armador D. para que fôssemos transportados, não de todo gratuitos, mas por um preço baixo. (SCHMITZ 1867)

O grupo, agora acrescido de famílias de outras localidades, permaneceu em Ostende por alguns dias. Neste intervalo de tempo, o agente foi ter com o armador e este pessoalmente apareceu para negociar com os viajantes. Debateram longamente até chegarem a um acordo que satisfizesse a ambas as partes. O jovem e persuasivo Mathias Schmitz conduziu as negociações convencendo o armador a aceitar 40 (quarenta) Taler para os maiores de 12 (doze) anos e a metade do valor para os menores. Só que muitos não possuíam nem mesmo esta quantia e a perspectiva de não poder seguir viagem não os agradava em nada. Iniciou-se nova rodada de negociações.

Segundo relatos não escritos, mas que atravessa gerações, sob a coordenação de Mathias, agora já como líder absoluto do grupo, mais uma vez as negociações chegaram a bom termo. Finalmente o armador convenceu-se a aceitar dois terços do valor estipulado. Iniciou-se então a negociação entre os emigrantes. Quem ainda possuía alguma reserva, emprestava a quem já nada mais tinha, sob o acordo de depois de instalados no Brasil, ressarcirem o empréstimo. Mesmo assim não conseguiram reunir o suficiente e onze famílias, sendo três de Loeffescheidt (estes amigos e conterrâneos do jovem negociador) tiveram que aceitar a sorte e ficar para trás. Segundo Mathias, “estas famílias mais tarde foram acompanhadas pela polícia até a fronteira e enviados de volta à cidade de onde vieram. E certamente tiveram um destino lamentável, pois não tinham para onde voltar. Após essa operação, 800 imigrantes, na mais absoluta miséria, perambulavam pelas ruas da cidade portuária de Dunkerke. Esses infelizes o Governo Francês enviou para África.

A família Schmitz, a estas alturas, também sob comandado de Mathias, para garantir a passagem teve que tomar emprestado 50 (cinquenta) Taler, mas não desistiu de empreender a grande aventura. Uma vez tomada a decisão de viajar para o Brasil, nenhum empecilho poderia furtar-lhes o sonho-6 .

Depois de encerradas as negociações, Schmitz e seu grupo viram as portas se abrirem. Imediatamente os viajantes e toda a bagagem foram transportados para a cidade portuária. Ao chegar às portas da cidade, o grupo só pode entrar mediante a garantia de Delrue de que seriam embarcados e transportados para o Brasil. Ancorado no porto, achava-se um navio com destino ao Brasil e já com alguns alemães a bordo, para o qual foram imediatamente transportadas pessoas e bagagens, onde pernoitaram.


No dia seguinte (era, se não me engano, 19 de outubro-7 ), o veleiro levantou âncora e partimos. Éramos 220 pessoas a bordo; todos emigrantes e fomos logo atacados pelo enjôo. Todos procuravam um canto para deitar-se. Não sentíamos nem fome nem sede. Logo que esta fase terminou e nós melhoramos, um mal bem pior nos surpreendeu. Era disenteria que uma família trouxera a bordo. Esta terrível doença atacou a quase todos, inclusive a tripulação! Que miséria reinava entre os doentes! Aqui alguém gritava por água, acolá outro pedia para morrer. Desta doença morreram durante nossa viagem (6 semanas), 27 pessoas, na maioria adultos, cujos corpos eram atirados ao mar. Numa noite, eu me lembro, 3 corpos de uma só vez foram atirados ao mar. De várias famílias morreram o pai e a mãe deixando de 4 a 5 crianças pequenas, mas que logo foram acolhidas por outras famílias caridosas. (SCHMITZ 1867)

Finalmente em 18 de outubro de 1846 o Brig Sardo Erídano foi lançado ao mar e com ele a sorte da família Schmitz que complementava um grupo de 220 sonhadores. Os aventureiros partiam felizes por ver o pesadelo, que já perdurava por dez longos dias, chegar ao fim. Mais uma vez estavam enganados.

Mal iniciou a travessia do Atlântico e novos problemas surgiram. Inicialmente as náuseas provocadas pelo balanço do navio, mas este seria o menor e mais passageiro dos males que os aguardava. A morte logo começou a apavorar os viajantes, pois um surto de diarréia assolou passageiros e tripulantes, ceifando a vida de muitos. “Conta-se até hoje, entre os Schmitz, que o navio mais parecia um hospital sem médico”. Cada um que conseguia manter-se de pé procurava auxiliar os doentes. Sempre que alguém não resistia, a tripulação atirava o corpo ao mar. Muitas crianças ficaram órfãs de pai e mãe, mas eram logo adotadas por outra família. A solidariedade reinava entre os desafortunados. Não bastasse a doença, o que por si já era uma desgraça, os passageiros tiveram negados água e alimentos, não por falta destes, mas por pura maldade do comandante.


Comida tinha o suficiente, mas o capitão não entregava. Mesmo para um doente não se obtinha nem um pouco de água para fazer uma sopa, imaginem outro alimento. Quando tentávamos explicar a necessidade de um doente e que o mesmo implorava por comida, ele apenas respondia: Nada! Morre! Bom para os peixes! E virava as costas. Uma única vez, depois de implorar muito, ele me vendeu uma garrafa de vinho por 5 francos para meus pais. Mas em compensação, numa outra ocasião quando pedi água, para um doente, a xícara me foi derrubada com uma tapa na mão e jogada no mar. A comida que recebíamos era demais para morrer e muito pouco para viver. Consistia em "água com café", batatas semi-apodrecidas, um pouco de carne salgada e pão velho. Se nós pelo menos tivéssemos recebido somente pão e água, já teríamos ficado satisfeitos. Mas era água duvidosa que diziam ser café, às 10 horas da manhã, e às 4 horas um pratinho de água morna com pedaços minúsculos de carne salgada ou cabeças de peixes salgadas. Esta foi a alimentação dia após dia, durante todas as semanas de viagem. Como ficávamos contentes quando chovia e podíamos recolher a água e guardávamos até a última gota. Se nós tivéssemos levado tanto tempo para a viagem como outros navios que chegaram ao Brasil, isto é, 5 a 8 meses, nenhum de nós teria sobrevivido. Os que não morreram de disenteria teriam morrido de fome e de sede. (SCHMITZ 1867)

O grupo pagava caro por ter enfrentado e forçado o armador Delrue a embarcá-los. E Mathias tinha consciência da parte que lhe cabia, mas nem por isto se deixava abater, pelo contrário, sua responsabilidade no desencadear dos acontecimentos o fazia ainda mais obstinado em defender seus amigos e companheiros. Em determinado momento, quando já se aproximava o fim da viagem, o grupo não resistiu mais ver esposas e filhos com fome e sede. Então pais e jovens armaram-se e numa espécie de motim, foram até a cabine do capitão e exigiram alimentos e água. Vendo-se ameaçado, amedrontado, imediatamente tratou de servi-los da melhor forma possível. Sem mais delongas havia de tudo. Mas foi só por um dia e tudo voltou a ser o que fora durante toda a jornada.

Após seis semanas no mar, avistaram terra e todos correram para admirar o novo mundo, o objeto dos sonhos de todos, especialmente dos Schmitz.

... era o Brasil. A alegria que todos sentíamos era imensa, pois agora estávamos livres da prisão e só um grito percorria o navio: Terra! Todos que podiam, arrastavam-se até o convés do navio, para certificar-se de que era verdade mesmo. A terra crescia à nossa frente e ancoramos perto da cidade. Agora estávamos num continente estranho, cheios de esperança e angústia, separados para sempre da pátria. Aqui pretendíamos encontrar a felicidade. Todos que podiam permaneciam no convés admirando a grande cidade do Rio de Janeiro. (SCHMITZ 1867)

Mas ainda não era o fim do sofrimento. Este estava apenas começando. Tão logo o navio ancorou no porto, acompanhado de um alemão que servia de intérprete, um médico subiu a bordo e examinou todos os passageiros e perguntou-lhes da viagem. Tiveram então a oportunidade de desabafar relatando o tratamento terrível a eles dispensado desde a partida da terra natal. O médico recomendou tratar bem a todos e o capitão não teve alternativa. Embora, segundo Mathias, sua vontade fosse a de jogar alemães e alimentos ao mar. Permaneceram alguns dias a bordo e diariamente eram visitados por um senhor que pretendia colonizar algumas terras. Oferecia algumas vantagens como: terra a baixo custo com 03 anos de carência e mais 06 anos para efetuarem os pagamentos, ajuda em alimentos, ferramentas e sementes. Caso o grupo assinasse um contrato com o dono das terras o mesmo navio os levaria até o destino.

Como um grupo, sempre liderados por Mathias, que após ler o documento, se negasse a assinar sem antes ter alguma informação sobre o lugar de destino, foram, após dez dias, desembarcados e largados à própria sorte em Praia Grande, Rio de Janeiro. Para aumentar o tormento, o comandante do navio agora exigia o restante (1/3) do pagamento inicialmente estipulado, mas como ninguém mais possuísse dinheiro tiveram suas bagagens apreendidas. Tudo isto após Mathias ter falado que não poderia assinar um contrato, em uma terra estranha, sem a certeza de estar fazendo um bom negócio.

Depois de ter analisado tudo muito bem eu disse: "todos podem fazer o que acharem melhor, mas eu, meus pais, meus irmãos, queremos primeiro desembarcar, estar em terra firme. Ali quero informar-me e, se achar conveniente, então assinarei. Numa terra estranha não se pode assinar qualquer compromisso à primeira vista". Depois que eu falei isto os senhores voltaram a terra. Mas no dia seguinte voltaram e assim faziam diariamente. Por fim viram que tudo dependia de mim e prometeram-me uma gratificação, mesmo terra sem pagamento, se eu convencesse os outros a assinar o contrato [Era a oportunidade de garantir um lugar para si e os seus, mas Mathias não se deixou corromper e manteve-se fiel aos propósitos do grupo. O sonho de felicidade era imenso, mas não tão grande a ponto de sacrificar seus liderados. O jovem queria o bem de sua família, mas não abria mão do bem estar de todo o grupo.]. Mas eu estava firme em meu propósito de primeiro desembarcar. Mais tarde soube por um alemão fugitivo daquela região, que devido ao péssimo clima quase todos morriam. (SCHMITZ 1867)

Sem dinheiro, sem saber para onde ir, sem conhecer nada nem ninguém, o grupo entrou em desespero. Enquanto adultos se lamuriavam, crianças choravam de fome, as mães pediam alimentos aos filhos à população e Mathias procurava raciocinar. Mais uma vez demonstrando seu poder de liderança, superando o próprio desespero, decidiu seguir para o Rio de Janeiro e procurar o cônsul da Prússia. A caminho encontrou-se com um alemão que vivia na cidade e este o acompanhou, mas foram mal atendidos. Como buscavam uma solução para os problemas do grupo, dirigiram-se ao cônsul de Hamburgo, que os recebeu e ouviu toda a história. Infelizmente, como única providência, conseguiu apenas a liberação da bagagem do grupo, o que já era um bom começo, mas faltavam-lhes alimentos.

Mathias então, após muito pensar e dialogar, sob o apoio de seus liderados, redigiu uma carta para o imperador Dom Pedro II, onde contava os acontecimentos e pedia ajuda, pois, precisavam de auxílio para não morrer de fome. Conseguiu algum dinheiro entre os seus, retornou ao Rio, mandou traduzi-la para o português e junto com mais um moço do grupo, o jovem auxiliar de professor de Loffescheidt, numa terra onde não conhecia nada nem ninguém, nem mesmo falava o idioma local, sem uma audiência previamente marcada, decidiu falar diretamente com o Imperador D. Pedro II. E neste intuito seguiu chegou ao palácio imperial.



Na residência imperial, entramos primeiro num grande e lindo jardim e a primeira pessoa que encontramos foi o jardineiro, que era alemão de nascimento. Cumprimentamo-nos alegremente, contamos nossas desditas e explicamos o que queríamos. Pedimos ao jardineiro que nos acompanhasse para servir de intérprete. Não demorou muito e este regressou com a notícia que o imperador nos receberia.

Quando fomos anunciados ao imperador, ficamos nervosos e nosso coração batia com força. O jardineiro, vendo nosso receio, encorajou-nos e disse que o imperador era um homem bom e compreensivo.

Mais confiantes subimos a escadaria e nos dirigimos ao salão onde estava o imperador. Logo que nos viu, veio ao nosso encontro sorrindo amável e nós nos sentimos mais à vontade. Entregamos a nossa carta que leu com atenção. Fez várias perguntas e nossas respostas foram interpeladas. O imperador prometeu ajudar-nos a tomar todas as providências necessárias para resolver nossos problemas. Satisfeitos e alegres, nos despedimos cerimoniosamente e saímos. (SCHMITZ 1867)

Retornaram para junto dos companheiros de desdita e aguardaram que o imperador tomasse suas providências. Enquanto isto, a população local ajudava com o pouco que possuíam para alimentar a todos. Como nada de novo acontecesse, Mathias redigiu nova carta e novamente foi ter com o Imperador. Agora mais seguro e confiante que da primeira vez, já o conhecia e estava certo de ser bem recebido. Bom, é difícil imaginar um jovem estrangeiro sendo recebido pelo Imperador do Brasil, mas Mathias relata:


Pedimos que os guardas nos anunciassem e recebemos permissão para entrar. Já não sentia mais receios e confiante subia as escadas. O imperador nos recebeu num grande salão, mas não estava sozinho. Vários senhores estavam presentes. Entreguei outra vez a minha cartinha, quando o mesmo veio ao nosso encontro, e uma irritação profunda espelhou-se em seu rosto, quando a leu. Chamou um dos presentes e comentaram sobre o que eu havia escrito. Em seguida se dirigiu a nós e gentilmente falou-me, pediu desculpas de que tínhamos esperado tanto tempo em vão, mas agora tudo seria resolvido; que eu fosse tranqüilo para junto dos meus. Um pedido, no entanto, não podia conceder: ao Rio Grande do Sul não nos poderia enviar. No entanto havia três províncias que poderíamos escolher: Santa Catarina, São Paulo e Espírito Santo.

(...) Contentes, deixamos a sala de audiência e voltamos para casa, transmitindo a mensagem do imperador. A alegria não foi tão estrondosa como a primeira, mas grande foi a satisfação que sentimos quando, à tarde, veio uma canoa carregada com alimento: carne, pão, café, açúcar, arroz, feijão, trigo, sal, etc. (SCHMITZ 1867)

Como não poderiam ir para o Rio Grande do Sul, após longo debate optaram por Santa Catarina, pois tinham conhecimento da criação da Colônia de São Pedro de Alcântara em 1829 e que alguns membros da família Schmitz lá habitavam. Foi o que mais pesou na escolha. Poucos dias depois (22/12/1846), a bordo do Bergantim Vênus, seguiram rumo à felicidade.

Aportaram em Desterro no dia 28 de dezembro de 1846, após seis dias de viagem, e logo foram levados para a cidade, onde, para alegria de todos, foram muito bem recebidos. Os alemães eram conhecidos como bons trabalhadores e como permaneceram por cerca de dois meses na Ilha de Santa Catarina, alguns executavam pequenos trabalhos e juntavam algum dinheiro para os tempos de vacas magras que poderiam vir. Segundo se comenta entre os familiares, foi em Desterro que viram (exceto Mathias), pela primeira vez, negros. Assustadas, mulheres e crianças choravam e faziam o sinal da cruz, enquanto jovens e adultos admiravam a força de que eram capazes.

Após cerca de dois meses, foram levados para a recém-criada Colônia de Santa Isabel. Ali foram alojados em um grande galpão enquanto os trabalhos de demarcação de terras seguiam. A Colônia ficava as margens da estrada Imperial, que na verdade não passava de uma simples picada. E Mathias escreve:

Eu me recordo da minha surpresa quando vi a estrada imperial. Na Europa eu nunca vira uma estrada tão ruim. Coberta por mato onde se rasgava a roupa, com cada passo atolado na lama até os joelhos. E esta era a estrada principal da Província. Hoje em dia pode-se afirmar que parece com uma estrada. (SCHMITZ 1867)

Mathias, juntamente com um amigo e companheiro de viagem, decidiu visitar a Colônia de São Pedro de Alcântara. Pretendia ver os parentes e saber como viviam os alemães desta (como todo líder, pretendia também fazer um reconhecimento da região). Seguiram por picadas na mata e enfrentaram lama, rio cheio e o frio. Mas sentiram uma alegria inexplicável ao tomar o café de certa manhã com os alemães que os receberam de braços abertos e lhes mostraram que, embora numa terra distante, continuavam com os mesmos costumes e tradições. Era como se tivessem retornado à Alemanha.

De volta ao acampamento, foram ver de perto como estavam os trabalhos de demarcação de suas terras. Tão logo tiveram oportunidade, após a construção da casa, carregando tudo nos ombros, seguiram para suas novas moradas.


Quando a terra terminou de ser medida, recebemos nossa parte; quanto maior a família maior a terra. Rapazes sem família recebiam 100 braças de largura e 1.000 braças de comprimento (200 margem); pais de famílias recebiam 125-200 braças de largura e 1.000 de comprimento. Agora chegou a hora de trabalho. Enquanto os pais e filhos munidos de machado, facas, foices e facão começavam a preparar a terra para construir um rancho, as mulheres e crianças pequenas permaneciam no galpão comum. Semana após semana o trabalho continuava e aos poucos o terreno ganhava forma. As casas improvisadas foram ocupadas e iniciou-se a construção do mobiliário e o trazer dos pertences até a colônia. Não era um trabalho fácil, porque o caminho era apenas uma picada. Tudo que era trazido levaria pelo menos algumas horas de viagem. Por fim tudo estava no seu devido lugar e a família pode começar a semear. Os primeiros anos foram cheios de dificuldades, mas depois também isto normalizou-se e as colheitas foram mais gordas. [Para quem estava habituado a todo tipo de necessidades, só o fato de colher o necessário para a subsistência já era motivo de alegria. Para quem já sofreu com a fome, ter o que comer já é uma festa.]

Dia após dia clareava a floresta e sempre mais crescia a colheita. Muitos anos passaram-se e a colônia prosperou. Todos os colonos que vieram comigo ao Brasil prosperaram e chegaram a uma razoável estabilidade. A viagem a Desterro para a qual naquele tempo gastava-se dois dias, hoje se faz em um dia. O ditado: "após o sofrimento segue a alegria", concretizou-se nesta colônia. (SCHMITZ 1867)

Teve então início a tão sonhada nova vida, pois “após o sofrimento vem a alegria”. Em 16.07.1847 receberam a Sorte numero 15, medindo 175 braças de frente por 870 braças de fundos, lado direito, na Colônia Santa Isabel na localidade que passou a ser denominado Loeffelscheidt, assim como no país de origem. Mas nem tudo era alegria. A terra exigia trabalho árduo. Tudo era floresta virgem e a exploração era difícil. Johann Peter e os seus não perderam as esperanças e nem a vontade de lutar por dias melhores. Em meio à luta pelo cultivo da terra e da reconstrução da vida, Mathias teve tempo para registrar em uma espécie de diário tudo que lhes aconteceu até o momento em que se instalaram definitivamente em suas terras na Colônia de Santa Isabel. Mostrou que além de saber liderar seu grupo era ainda um bom cronista, deixando para a posteridade registros importantes que merecem ser lidos e já foram largamente utilizados por historiadores que escrevem sobre a imigração alemã no Brasil. Iniciou seu texto escrevendo:



Após o sofrimento vem a alegria.

Este ditado já tornou-se verdade para muitos. Também em minha vida revezam-se sofrimentos e alegrias.

Talvez seja interessante para mim ou outro, dar um olhar sobre o decorrer de minha vida. É por esta razão que resolvi escrever o que aconteceu comigo. Antes de começar quero, porém, pedir que perdoem o meu escrever; desculpar meus erros gramaticais e sim concentrar-se mais no sentido da minha narrativa do que na ortografia. (SCHMITZ 1867)

A partir do início dos trabalhos a família Schmitz começou a contar com novos membros. Mathias casou-se com Anna Gorges e tiveram 13 filhos: Johann Schmitz, Pedro Schmitz, Matias Filho (Subcomissário de Polícia de Theresópolis, SC, até 25/7/1906), José, Maria, Adão, Ana, Catarina, Agnes (Inês), Maria Luise , Heinrich, Helena, Elisabeth. Johann Peter (o filho) casou-se com Anna Steffens e tiveram 07 filhos. Peter casou-se com Maria Catharina Steffens, e segundo pesquisas, não tiveram filhos. Após seu falecimento, a esposa voltou a se casar com Mathias, seu cunhado e também viúvo. A prole dos Schmitz se estendeu e se espalhou por toda a região, tornando-se numerosa.

Pais e filhos deram início às atividades de conquista da nova terra. Após cada qual ter sua gleba determinada era hora de trabalhar e garantir o sustento. Mas tudo agora era motivo de festa. Aos poucos, novos imigrantes foram chegando e as colônias se espalharam por toda a região. Como as atividades eram todas agrícolas, era desta que tinham que alcançar a almejada felicidade. E foi o que fizeram. Após edificarem a pequena casa, atiraram-se ao trabalho de desmatamento e plantação.

A terra, ainda jovem, respondia com uma produção razoável. Johan Peter Schmitz (o filho) e a esposa Anna Steffens com seus nove filhos: Katharina, Christina, João, Jacob, Pedro, Helena, Michael, Franz e Mathias, também não desistiram e continuaram a expansão da família.

Pedro, o quarto dos filhos, nascido em 04-08-1861, em São Pedro de Alcântara, São José - SC, falecido em 04-12-1907, em Loeffeischeidt, Águas Mornas – SC, casou-se em 10-09-1885, em São José – SC, com Ana Meurer, conhecida como Ana Schmitz ou Ana Horr, nascida em 05-07-1865, em Santa Isabel, Águas Mornas - SC e falecida em Anitápolis - SC; fixou residência em Santa Isabel, Águas Mornas – SC. Era agricultor e paralelamente movimentava um pequeno comércio. Era respeitado e querido na comunidade. Vendia de tudo.

Era na casa dos Schmitz que o padre se hospedava sempre que fazia sua visita pastoral à comunidade de Santa Isabel. Sobre isto se comenta até hoje entre os descendentes que, em certa ocasião, alguns garotos quebraram o cabo da vassoura de uma senhora beata que fazia a limpeza da igreja e esta acusou Roberto e Pedro, os filhos da então viúva Ana Schmitz. O padre, sendo informado, tratou de chamar atenção dos dois em plena missa. Os dois aguardaram o padre no caminho e, escondidos entre as árvores, lhe aplicaram uma surra de pedras. Em seguida cruzaram por atalhos e chegaram antes deste em casa. Diante do ocorrido e sob o medo de novo susto, os dois foram encarregados pela mãe de acompanhar o padre no caminho de volta para a sede da paróquia.

Conta-se também, que certa vez Pedro Schmitz (o pai) foi até a Loja Hoepke e comprou alguns relógios de parede, daqueles que badalavam a cada hora. O dono da loja mandou embalar suas compras e com elas os relógios. Ao chegar em casa constatou que havia um relógio a mais no carregamento, logo deduziu que o lojista se enganara. Não teve dúvidas. Vendeu todos, mas guardou o excedente. Algumas semanas depois retornou a Florianópolis portando o referido relógio para devolvê-lo. Surpreso, ouviu do dono da loja que este era um brinde a um amigo e a um cliente especial. O presente ficou com a família até cerca de uns 20 anos atrás, quando sua filha mais nova, Bernadina Schmitz Felipe, o vendeu a um relojoeiro de Santo Amaro da Imperatriz, com quem permanece até hoje. Familiares já se esforçaram para adquiri-lo novamente, mas infelizmente não está à venda.

Quando da abertura do Núcleo Colonial de Anitápolis, em 17 de julho de 1907, com objetivo de abrigar novos colonizadores alemães que continuavam migrando para nossas terras, seus descendentes tomaram nova direção. Após o falecimento de Pedro, a família começa a pensar em redirecionar suas vidas. Seu segundo filho, Roberto, engaja-se ao grupo de trabalhadores recrutados para abertura da estrada que ligaria à nova colônia de Anitápolis – SC a Rio Novo, São Bonifácio - SC. Ali trabalhou por vários anos como perfurador e dinamitador de rochas.

Após o término dos trabalhos, por volta de 1911, adquiriu o lote nº 3 da comunidade de Rio das Pedras, Anitápolis, e ali fixou residência com sua esposa, Luiza Júlia Bauer, e seus dois filhos mais velhos dos nove que tiveram. Começou então nova luta, novo desbravamento. Em seguida, trouxe para Anitápolis toda a família, composta por 07 irmãos e seus filhos juntamente com sua mãe, Ana Meurer e seu segundo esposo, Pedro Horr. Roberto adquiriu ainda o lote nº 7 do Rio das Pedras e mais um terreno com cerca de dois lotes no Rio Gaspar.

Dos seus irmãos, João adquiriu o lote nº. 04, 06, 08, 11, e parte do lote 10; Jacob, os lotes 24, 28, 30 e 31; Frederico ou Fritz o lote nº. 32; todos no Rio das Pedras, logradouro rural que é composto por 33 lotes medindo entre 25 a 30 hectares cada um. Com o passar dos anos a família foi se expandido e atualmente apenas 09 dos 33 lotes não pertencem aos descendentes de Pedro Schmitz, agora já de responsabilidade de seus bisnetos, e já surgem os trinetos que começam a retirar o sustento destas mesmas terras. Ana Meurer e Pedro Horr passaram a residir no lote nº 04, no Rio das Pedras.

Matias e Pedro adquiriram lotes no Rio Gaspar, Anitápolis. Carlos manteve-se pouco tempo junto com os irmãos, e na primeira oportunidade migrou para Criciúma. Jamais retornou para Anitápolis, nem mesmo manteve contato com os seus que souberam dele através de um de seus filhos, mas que também não deu mais o ar de sua graça. Não foi este o único caso de desligamento de familiares. Os filhos de Pedro-8 perderam totalmente o contato com seus familiares. Jamais se visitaram ou procuraram saber uns dos outros. Seus filhos e netos nem mesmo souberam da existência dos tios e primos. Segundo se comenta entre os familiares, o motivo do desligamento foi o casamento de Roberto Schmitz, de confissão Católica Apostólica Romana, com Luiza Júlia Bauer Schmitz, de confissão Luterana-9 . Seus filhos seguiram a religião do pai, embora o casal, cada qual cumprisse a sua.

Os descendentes de Johann Peter jamais deixaram de serem batalhadores e transformaram o que até então era mata virgem em terreno cultivável. Seguiram a tradição familiar de serem agricultores e carpinteiros. Cresceram e se espalharam pelo município. Com o passar do tempo, alguns descendentes de Mathias (o imigrante) migraram para Anitápolis e encontraram ali seus parentes já distantes, mas ninguém procurou averiguar qual o laço consanguíneo que os ligava. Bastava-lhes saber que eram Schmitz. Isto os fazia parentes, amigos e cúmplices na solidariedade e luta pela sobrevivência.

Na década de 1960, o filho mais velho de Roberto, com cinco dos seus seis filhos, migrou para o estado do Paraná, mais precisamente para a região hoje ocupada pelo lago de Itaipu e de lá para o Paraguai. Também lá se dedicaram à agricultura e à pecuária. Há alguns anos, seus descendentes vêm sofrendo pressão do governo paraguaio para se naturalizarem e educarem os filhos em escolas de língua local, pois até então, mesmo em terra estrangeira agem e vivem como brasileiros. É no Brasil que procuram tratamento médico, financiamentos quando necessário, documentam seus automóveis e adquirem máquinas agrícolas.

Em dezembro de 2008, como acontece todo o ano, a Escola de Educação Básica Estadual Altino Flores de Anitápolis - SC promoveu uma festa de formatura-10 para os concluintes da 8ª série do Ensino Fundamental e 3ª série do Ensino Médio. Neste ato constatou-se que dos cerca de 70 alunos concluintes, 12 tinham o sobrenome Schmitz, 02 o sobrenome Meurer e mais 04, embora não tivessem estes dois sobrenomes eram descendentes dos Schmitz. Ou seja, mais de 22% dos concluintes eram descendentes de Johann Peter Schmitz (o pai).

Num rápido levantamento é possível constatar que a população de Anitápolis é composta, cerca de 30%, por membros da família. Esta ao expandir-se, ampliou o leque de profissionais, que vai de professores a comerciantes, carpinteiros, pedreiros, escultores, músicos... , mas com predominância dos agricultores. Mesmo os que não mais vivem da terra, mantêm raízes profundas com ela e obstinadamente não se desfazem do que seus antepassados conquistaram com suor e trabalho, fazendo do lugar residência de seus filhos, netos, bisnetos e trinetos.

Os descendentes atualmente tentam elaborar a história da família e organizar a complicada árvore genealógica cujo resultado encontra-se em http://johannpeterschmitz.blogspot.com/, mas a cada passo esbarra-se na falta de informações, pois ao contrário de Mathias, que fez questão de registrar em um diário os fatos principais de uma grande aventura, poucos são dados a registros biográficos. Outro agravante é a falta do hábito de contar, a filhos e netos, a história da família. Não é raro o garoto da família não saber o nome completo de seus avós, mais raro ainda é saber a história de vida destes. Outro fato interessante, os familiares não mantêm o hábito da visita aos seus, basta-lhes saber da consanguineidade.





                                                   NOTAS DE FIM

1. O que é aqui considerado como terras desocupadas, são grandes extensões ocupada pelos nativos (índios) e por posseiros.




2. A fundação de pequenas colônias agrícolas, visava, além de produzir alimentos, ocupar as margens do caminho das tropas, garantindo locais de pouso e proteção contra possíveis ataques de índios.



3. Neste artigo, sempre que for mencionado o Diário de Mathias Schmitz, este é Extraído (das páginas de Toni Vidal Jochem) do Calendário para os alemães no Brasil. São Leopoldo: Rotermund, 1899, pp. 79 - 107, sob o título "Aus dem Leben eines Deutschen in Brasilien", organizado por H. Schauffler - professor na escola de Teresópolis. Publicado sob o título "A Vida de um Alemão no Brasil" na revista Blumenau em Cadernos, Tomo XXVIII, Nº 5, maio de 1987, pp. 153 - 163.



4. O armador de no D mencionado no texto de Mathias Schmitz era na verdade Charles Delrue, ou melhor, Casa Charles Delrue & Companhia, de Antuérpia, com quem o governo brasileiro firmara contrato para agenciar a transferência de pessoas para o Brasil.



5. Este agente, como ele mesmo contara, também tinha sido enganado pelo armador, pois o mesmo lhe afirmara que as condições da viagem eram as mesmas do ano anterior, isto é, por conta do governo brasileiro. (citado agente, mais tarde teve que abandonar a Europa clandestinamente, porque era perseguido pela polícia). Veio ao Brasil, onde eu pessoalmente falei com ele, pois ficou vários dias na colônia alemã. Logo desapareceu e foi encontrado mais tarde esfarrapado, morto de fome e sede, numa mata próxima. Teve um fim horrível. (Diário de Mathias Schmitz)



6. Ainda hoje os Schmitz são conhecidos por sua persistência e tenacidade na luta por seus objetivos. Há u m lema entre desus descendentes “ Um Schmitz, jamais foge de uma batalha, jamais desiste de um luta, mesmo quen esta se apresente perdida.” Por mais que pareça pacato e frágil. Torna-se um gigante destemido que não mede forças na defesa do sangue.



7. Pesquisas apontam para o dia 18 de outubro e não 19 de outubro de 1846.



8. Seus descendentes só vieram saber da existência dos irmãos de Pedro Schmitz quando Anildo Schmitz iniciou pesquisas na tentativa de recompor a árvore genealógica da família. Ninguém conhece os motivos da separação. Ventila-se a hipótese de ser o casamento entre Roberto que era católico, com Luiza Júlia Bauer, protestante. Outra possibilidade é a surra de pedras que Pedro (filho) e Roberto aplicaram no padre.



9. A família tem em mãos a certidão de casamento civil de Roberto Schmitz com Luiza Júlia Bauer Schmitz, retirada no cartório de Rancho Queimado, mas jamais soube se e onde aconteceu o casamento religioso, mesmo porque, na época o casamento entre religiões diferentes era combatido. Logo, tudo leva a acreditar que este nunca se realizou.



10. Normalmente as festas de formaturas são eventos promovidos por formandos de cursos universitários. Em Anitápolis, esta é uma festa tradicional dos concluintes do ensino Fundamental e do Ensino Médio. Tradição que vem desde os tempos do Ginásio Normal, na década de 1960. Quem já teve oportunidade de participar de uma comprovou que o luxo e a pompa não perdem para as grandes formaturas universitárias.



11.  Artigo corrigido pelo Professor Silvionei Fortkamp (ex aluno e atualmente colega de trabalho do autor do artigo), de Anitápolis-SC. E por Mytsi Wstpfal Taylor (participante do fórum de imigração alemã mediado por Toni Jochen).






                                          BIBLIOGRAFIA CONSULTADA




CARUSO, Mariléia Martins Leal; CARUSO, C. Raimundo. Imigrantes 1748 – 1900: viagens que descobriram Santa Catarina. Tubarão, Ed. Unisul, 2007, 295p.



JOCHEM, T. V. A Epopéia de Uma Imigração. Águas Mornas – SC, ed. Do autor, 1997. 592 p.



JOCHEM, T. V. 180 Anos de Presença da Etnia Alemã em São Pedro de Alcântara. São Pedro de Alcântara – SC, Ed. do autor. 2009. 26 p.



JOCHEM, T. V. Diário do Imigrante Matias Schmitz. Disponível em: http://www.tonijochem.com.br/movimento_imigratorio.htm. Acessado em: 04-10-2009.



SCHMITZ, Mathias. /Diário de um imigrante/. Theresópolis, 1867. Disponível em: www.tonijochem.com.br/vida_alemao_brasil.htm. Acessado em: 04-10-2009.




8 comentários:

  1. "Aus dem Leben eines Deutschen in Brasilien", tens o texto na íntegra em alemão? Att, Beatriz Schmitz Fernandes.

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  2. "Aus dem Leben eines Deutschen in Brasilien", tens o relato de Matthias Schmitz na íntegra em alemão? Beatriz Schmitz Fernande. Eu sou uma possível tataraneta dele.

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  3. Boa tarde.
    Não. Já tentei mas o original está no arquivo Público de Santa Catarina.
    Tenho informações de um segundo relato de Mathias contando seu retorno a Deutchland, para rever os que lá ficaram, mas também não posso afirmar se de fato existe, pois não se sabe o paradeiro.
    Att.
    Anildo Schmitz
    Anitápolis, SC
    http://johannpeterschmiz.blogspot.com/

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  4. Meu avó materno Antônio Schmitz minha mãe Rosa Adelina Schmitz

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    1. Preciso de mais detalhes. pais, avós, filhos, nascimentos, falecimentos e casamentos.

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  5. boa noite ,belo trabalho primo um abraço

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  6. Olá, muito interessante.
    Eu e minha prima fizemos uma pesquisa e chegamos ao Mathias Schmitz. Procuro por informações da família Allein, na breve pesquisa foi apontado esse familiar em comum. Caso tenha alguma informação meu contato e jana_petri@hotmail.com muito obrigada.

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  7. Olá, na minha árvore existe uma Alvina Schmitz, filha de Mathias Schmitz e Maria Meurer, nascida em 27 de julho de 1907 em São Ludgero, Santa Catarina. Ela era irmã de meu bisavô Virgolino Schmitz. No family search há o registro de batismo dela: https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:S3HY-X9Z9-9VC?i=93&wc=MFKV-VPX%3A1030401601%2C1030401602%2C1030405601&cc=2177296

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